Colaboração nas tarefas de casa

Episódio #12
Colaboração nas tarefas de casa - uma conversa com o meu marido

Neste episódio converso com o meu marido Pedro sobre as tarefas de casa, sobre o equilíbrio que atingimos e qual o trabalho necessário para chegar a um ponto de harmonia familiar em que todos se sintam felizes. Falamos sobre a maneira como fomos educados e sobre o que está ao alcance de cada um para criar uma experiência de vivência familiar mais positiva.

Porque as melhores conversas acontecem à mesa, vamos sentar-nos a conversar? Estão convidados e se quiserem tragam um amigo também.

Show notes

Fotografia maravilhosa tirada por Roberto Ramos na nossa renovação de votos de 10 anos de casamento.

Fotografia maravilhosa tirada por Roberto Ramos na nossa renovação de votos de 10 anos de casamento.

Nesta entrevista para o podcast Marinar, estive à conversa com o meu Pedro. Para quem não sabe ele é meu marido, mas é também meu companheiro de aventuras e o meu braço direito em tudo o que faço. Criador e fotógrafo principal na Fotografamos há mais de dez anos, incorpora a precisão da Engenharia Mecânica onde começou, e o coração de artista em tudo o que faz. Estamos juntos há quase 15 anos e decidi trazê-lo para esta conversa, porque se há coisa que a pandemia nos veio mostrar foi que as mulheres estão, de forma geral, assoberbadas, não só com o trabalho, mas também com aquilo que são as responsabilidades delas em casa. 
Antes de começarmos esta entrevista gostava de vos deixar aqui duas ressalvas. Em primeiro lugar, nós vamos falar da nossa experiência enquanto casal heterossexual, ou seja, vamos referir-nos a parceiro e marido, ou parceira e mulher um do outro. Mas isto não tem que ver com os papéis. Aquilo que vamos aqui partilhar serve para qualquer tipo de relação, por exemplo, pais e filhos. Há muitos núcleos familiares diferentes e isto pode funcionar em várias dinâmicas, nos vários núcleos familiares que existem. 
A segunda ressalva é o uso do termo “ajudar”. É possível que durante a nossa conversa possa surgir este termo, porque ambos crescemos com famílias em que o papel da mãe/mulher, está mais ligado a cuidar das coisas de casa, em alguns casos, quase exclusivamente. Nós estamos a fazer o trabalho de construir novos modelos para nós, e o ajudar não é ajudar, é participar. 
Dizer que alguém está a ajudar outra pessoa significa que a responsabilidade é da outra pessoa e se não está na nossa lista de afazeres, ficamos ali à espera, porque não faz parte das nossas responsabilidades. 
Nós não somos especialistas de coisa nenhuma e vamos falar daquilo que são as nossas dinâmicas aqui em casa e daquilo que funciona e funcionou para nós e que pode ajudar outras pessoas a passar pela mesma situação. 

Espero que gostem desta conversa. 


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Gostava de falar contigo sobre a maneira como tu cresceste. Como era o modelo que tu tinhas em casa e qual era o teu papel?

Que tipo de coisas é que tu fazias em casa, ou seja, até nós nos juntarmos, há 15 anos, qual era a percepção que tu tinhas de que seria o teu papel enquanto homem numa relação amorosa e o que significa em termos de vivência de casa.

Eu não fazia nada em casa. Resumidamente, é isto. O meu pai viveu nos Estados Unidos durante muito tempo, e por isso passei a maior parte da minha adolescência só com a minha mãe e acabei por ser muito mimado. Não porque a minha mãe não me deixasse fazer as coisas para me proteger, mas sim, acho eu, pelo machismo de que os homens não fazem e são as mulheres que têm que limpar, as mulheres é que vão para a cozinha, as mulheres é que vão arrumar. Isto numa relação heterossexual. Eu cresci nesta mentalidade, a mentalidade do eu não preciso fazer nada porque a minha mãe faz, tornou-me neste menino da mamã, porque esse não era o meu trabalho. O meu trabalho era estudar e dedicar-me à escola.

Não precisava de fazer mais nada, tinha roupa lavada e comida feita. Só precisava de tomar banho. 


Eu sinto que a nossa geração acabou por quebrar um pouco isto, porque temos a oportunidade de reescrever um pouco a maneira como estamos a educar os nossos filhos. Tu sentias isto do teu lado, mas do meu lado, a minha mãe sempre me ensinou a fazer tudo. É bom tu saberes fazer comida, é bom saberes cuidar da roupa, é bom saberes cozer, é bom saberes fazer o que quer que seja.

Isto é uma forma de machismo. De forma geral, é bom toda a gente saber fazer um bocadinho de tudo. Eu gosto muito da sensação de ser desenrascada e nós falamos nisso muitas vezes aqui em casa porque tu és o engenheiro mas eu é que ando sempre “engenheirar” coisas e a resolver coisas.

A verdade é que quando nós sabemos fazer várias coisas temos um vocabulário maior e permite-nos ser mais independentes, em geral, não só em casa mas na vida.


Nós vamos vendo em relação aos homens e os rapazes que acabam por ser muito poupados destes trabalhos, ou eram, pelo menos até a nossa geração. 

E ainda continuam a ser de alguma forma, porque isto é difícil de mudar. É preciso fazer muito trabalho interno. Mas esta nódoa é preciso muito detergente e muito tempo e energia e dedicação e vontade de mudar isto. É muito fácil acomodarmo-nos nesta nossa posição do “eu sou o tipo, eu fico aqui, sei lá, a ver futebol e ela que cuide porque o trabalho é dela. Eu não tenho nada que fazer porque eu trabalho o dia todo e venho para casa cansado e quero é estender-me no sofá”.


Neste momento, estando as mulheres na força de trabalho tal como os homens, ambos chegam cansados e penso que é isso que as mulheres estão a tentar dizer nesta fase. Estamos todos cansados, mas as mulheres chegam a casa do trabalho e continuam a assumir que o trabalho de casa têm que ser elas a fazer. Seja cuidar dos filhos ou da comida. Mas não tem que ser e a questão é essa, é que havendo colaboração e sendo de facto uma equipa com iguais responsabilidades, ou pelo menos que a responsabilidade seja repartida, é tudo muito mais fácil e diferente. 

Eu às penso nisso, em que não me apetece agora estar a tratar da loiça, sei lá, não quero fazer isto, preferia que alguém pudesse fazer por mim, porque não me apetece, não tu, mas não ter que lidar com isso porque quero fazer outra coisa.

Se eu penso que não quero fazer este tipo de coisas, eu penso que mais vale fazer agora e depois desfrutamos os dois de tempo livre, do que estar à espera que ela faça e depois eu quero, imagina, passar tempo contigo a passear mas nós não podemos ir passear porque, primeiro porque COVID, segundo porque aquilo tem que ser feito na mesma e quem acumulou essas tarefas vai estar cansada. Se tem que se fazer, mais vale fazer e acabou! Não interessa quem é! Não interessa se a responsabilidade é tua ou não.


Isto tem sido um trabalho que temos feito ao longo destes 15 anos à medida que vamos conversando e falando sobre o nosso desconforto sobre aquilo que nos causa ansiedade, cansaço, que nos faz sentir assoberbados, ou ver tudo para fazer, e toda a gente tem patamares diferentes. Ou seja, há pessoas que não se importam de ter a casa desarrumada, com loiça suja, com o frigorífico vazio, sei lá... Eu acho que também tem muito que ver com aquilo são os nossos standards, aquilo que nós precisamos de fazer para nos sentir bem. Claro, isso depois já é outro patamar que eu, por exemplo, noto que sentia, numa fase inicial, que era como se ter a casa limpa, ter as coisas organizadas me definissem enquanto mulher e boa esposa. E atenção, Mãe, se estás a ouvir, está tudo bem, amigas na mesma, gosto muito de ti na mesma! Eu sei que isso também foi transmitido às nossas mães e sei também que a minha mãe já teve de quebrar imensos dogmas geracionais na maneira como me criou. Nós a criar a Júlia também estamos a quebrar algumas coisas deste género. E é assim que se vai mudando a maneira como as pessoas pensam. Mas está muito enraizado. Nós, nestes 15 anos temos estado, bloco a bloco, a construir uma realidade nova para nós mas também sei que não é o comum. Daí eu querer que falasses um bocadinho sobre o que achas de duas questões que são, por um lado, temos os homens que não querem fazer e as mulheres que precisam muito que eles façam. Mas também temos o contrário em que o machismo está tão enraizado na mulher que ela sente que não pode receber colaboração de espécie alguma porque isso significa que ela não é boa esposa. Em muitos casos não é racional, ou seja, não é malicioso sequer, mas está tão enraizado que as pessoas sentem que tem que ser a sua responsabilidade. Como quando nós vamos a casa dos teus pais e a tua mãe não me deixa lavar a louça. Para ela tem que ser ela e mais ninguém a fazer e precisa de fazer aquilo para se sentir útil. Eu acho que não tem, não precisa de ser assim, principalmente à medida que os papéis dos homens e das mulheres se vão misturando e que estão cada vez menos convencionais. E ainda bem! É preciso de facto haver esse ajuste e ajustar expectativas. Eu posso estar aqui no podcast a gravar 50 episódios, e a falar principalmente para as mulheres, sobre como nós podemos melhorar a utilizar as coisas que fazemos mas acho que uma voz masculina também ajuda a que os homens que ouvem, ou outras pessoas, porque também temos o contrário de ter homens que fazem quase tudo em casa, ou seja, papéis invertidos. 

Mas não há papéis! A questão é essa, temos de desmistificar esses papéis, porque nesta história as personagens, são meros personagens e não têm papéis atribuídos, ou não era suposto terem papéis atribuídos.


A minha pergunta para ti e se calhar é a grande pergunta, o que dirias a alguém que está num papel mais passivo, digamos assim, nas tarefas de casa e que quer começar a participar ou que quer começar por algum lado, o que é que pode fazer? Que mudança de mentalidade é que precisa para iniciar esta transição, esta mudança?

Eu acho que a primeira coisa é falar com o parceiro e perguntar como é que estás? Porque é que te sentes assim? Porque, antes de fazer o que quer que seja em casa, na vida em geral, é preciso saber como é que a outra pessoa se sente numa relação a dois. Eu vou falar em relação a nós os dois. Esta mudança começou a acontecer cá em casa, porque eu era preguiçoso, não fazia as coisas porque me foi sempre incutido que eu não precisava de fazer e tudo aparecia feito. Por isso a primeira coisa a fazer para quem quer fazer esta mudança é conversar e perceber quais são os pain points, quais são os problemas em casa, onde é que eles existem, porque é que eles existem. Depois sim, fazer as mudanças nesse sentido.  A segunda coisa e já tinha falado sobre isso, já falámos sobre isso várias vezes, é se há alguma coisa para fazer, faz! Não estejas à espera, e isto aplica-se a qualquer pessoa, em qualquer relação. Não estejas à espera que a outra pessoa vá fazer, não assumas que determinada coisa é responsabilidade do outro, como não vou mexer porque não é da minha competência. Isto não é um trabalho em que tu tens o teu e a outra pessoa o dela e não podes fazer determinada coisa porque está acima ou abaixo do teu patamar! Em casa não é assim que funciona. 


Que exemplos é que tu podes dar, ou seja, para alguém que esteja completamente alienado e que não nunca fez nada em casa e agora diz “OK, pronto, tenho que ver se há coisas para fazer”. Mas este tipo de coisas começa com um processo de consciencialização. Ou seja, alguém que nunca usou máquina de lavar a roupa, que nunca fez um arroz, que nunca fez nada… 

Leiam as instruções. Vão ao YouTube! O YouTube ensina a fazer TU-DO!! Se não têm ligação à internet 1º, como estão a ouvir este podcast? E 2º perguntem à vossa mãe ou ao vosso pai como é que fazem aquele arroz, como é que se faz aquela comida que vocês gostam tanto… 


Ou perguntem ao vosso parceiro. 

Mas se não querem falar sobre isso, às vezes há situações melindrosas, que não deviam de haver, mas se querem fazer uma mudança e não querem falar com o parceiro sobre isso, podem começar por cozinhar mais.Toda a gente sabe cozinhar, mal ou bem, toda a gente cozinha. Eu sou um exemplo disso. Comecem a cozinhar. Basta trocar uma refeição em que é a outra pessoa que faz sempre para vocês, nem que seja um arroz com ovo estrelado, não interessa. Têm roupa suja a acumular no cesto da roupa, ponham na máquina a lavar. Se vêem pêlos do cão no chão, peguem no aspirador e passem ali. Se vêem lixo, apanhem. É como na rua, se vêm plástico na praia apanhem e levem para o respectivo lixo. 


Sinto que não há muita gente que faça isso.

Mas se toda a gente fizesse isto não havia plástico, quer dizer, havia mas havia menos. Mas se vêem lixo, apanhem o lixo. Se encontram alguma coisa fora do sítio, arrumem! Pronto, se gostarem de viver num sítio limpinho e arrumado. Se não, façam o que quiserem. Há pessoas que não se importam, em casal, de viver num ambiente menos arrumado, tudo bem! Mas isso se estiverem os dois de acordo, cinco estrelas. Desde que estejam bem. Agora se chegam ao fim do dia ou chegam ao fim-de-semana ou do ano e as coisinhas começam a acumular, acumular e a acumular e as coisas não se arrumam, não se limpam e a outra pessoa está sempre à espera que a outra pessoa faça, mais cedo ou mais tarde vai explodir e vem a conversa do tu nunca fazes e tu nunca arrumas, nunca me prestam atenção ou já não gostas da minha comida… 


Eu acho que existe a questão das expectativas em que o próprio casal pode conversar sobre o que é que são os serviços mínimos. 

Primeiro conselho, conversem e estabeleçam expectativas.


Estabelecer expectativas e as expectativas escalam com filhos. Porque se já há coisas naturalmente desarrumadas, com uma criança isto escala. A Júlia é perita nisso 5 minutos num compartimento é o suficiente para parecer que explodiu alguma coisa lá dentro e ficar tudo espalhado no chão. Por isso, uma pessoa poder conversar e dizer eu vivo bem com, sei lá, a cama por fazer, mas a cozinha tem que estar arrumada. Ou eu vivo bem com a cozinha e com a casa toda desarrumada mas a casa de banho tem que estar limpa. Todos nós temos níveis mínimos de funcionamento e as pessoas são todas diferentes. 


Eu tenho coisas chatas. Eu não gosto de ver roupa a acumular no cesto da roupa suja, na casa de banho. Eu gosto da roupa limpinha ou pelo menos lavada, em dia, pode nem estar dobrada.


Eu não gosto de ver a roupa em monte. Então tu fazes a tua parte de lavar a roupa e eu depois dobro e arrumo.Eu acho que este ritmo acabou por ir surgindo também à medida que a Júlia foi crescendo e que nós precisámos de adaptar a rotina e de ter que ter o jantar  na mesa sempre à mesma hora. Manter uma rotina para as crianças é importante. Elas precisam, mas nós também e a prova disso é que tu às 8:30 estás podre de sono. Mas com com o passar dos anos também fomos oleando esta máquina porque vamos tendo novos desafios. A vida não é sempre igual e por isso à medida que os desafios vão surgindo, seja um trabalho novo, seja um bebé, seja um cão em casa que rói, desmancha e estraga. Há sempre peças novas no puzzle a desestabilizar um bocadinho e vão requerer alguma adaptação da nossa parte. Mas faz parte de estar vivo porque nada permanece igual para sempre e ainda bem, se não seria uma seca. Então pronto que conselhos darias a alguém que quer participar mais?

Primeiro conversar mais e estabelecer expectativas do que é que cada um espera do outro enquanto parceiro, isto é mais aplicado à lide de casa. Depois isto pode ser extrapolado para outras vertentes da vida, mas pelo menos, em casa, estabeleçam expectativas, conversem, e segundo é fazer. Não estejam à espera, mesmo que isso saia do campo de competências, não interessa. Não há campo de competências mesmo que, vocês definam. Não interessa! Percebeste que algo te incomoda pegas e fazes! Não estejas à espera.


Eu gostava de acrescentar uma coisa nisso que é do lado de quem está cansado e está a receber esta participação extra, que é, se o nosso parceiro foi e fez o arroz e queimou um bocadinho, não digam nada! Do género, vês, por isso é que tu não fazes o arroz, o arroz está estragado... Não façam isso! Apoiem! Ninguém, nenhuma criança aprende se tiver um adulto lá sempre a apontar os defeitos, e os adultos são iguais. Se nós estamos a aprender numa coisa que nunca fizemos, lá está a experimentar vulnerabilidade de fazer e de correr mal, de queimar o frango no forno ou de acontecer outra coisa qualquer, aquilo que nós não precisamos é de ter um adulto ir lá e apontar o dedo.

E para quem faz e que normalmente não faz e de repente fez, não é usar isso como uma medalha de ouro ao peito e dizer, eu hoje aspirei a casa. Que bom para ti, aspiraste a casa, mas a outra pessoa aspirou todas as outras vezes. Não usem a vossa vitória de fazer uma vez como uma medalha. Não é, são simplesmente tarefas. Não são prémios nem uma competição para ver quem é que faz.


O prémio é ter a casa organizada.

É ter sanidade mental e mais tempo livre para todos.


A disponibilidade emocional acaba por ter repercussões. São coisas muito pequenas mas que depois vão acumulando negativamente e positivamente que vão oleando, lá está, a experiência do próprio casal. A vivência de casal são várias peças todas juntas que depois dá uma relação feliz ou muito infeliz e que muitas vezes começa com estas coisas que se vão acumulando e depois as pessoas sentem e querem falar mas não falam porque têm receio. Mas aquilo continua a acumular e começam a ter sentimentos fortes em relação a isso.

Isso aplica-se em tudo numa relação. Se não se conversar isto acumula e depois mais tarde bem tudo à tona. 


Então e para quem não sabe cozinhar e quer começar a cozinhar, por onde é que tu achas que pode começar?

Para quem não tem uma Marina como eu em casa a quem perguntar essas coisas, comprem um bom livro de cozinha, vão ao YouTube, perguntem a amigos, façam valer as vossas redes sociais e tentem. É procurar. Comecem com coisas básicas, um arroz e ovo estrelado. Eu sei que parece uma refeição de estudantes, mas bem feito é uma maravilha mas tens que ter pãozinho para acompanhar. 


Que receitas é que tu achas que seria um bom início para a tua a tua experiência? O que é que para ti é fácil de fazer e desenrascar e que fica sempre bem? Arroz, ovo...

O ovo estrelado não foi. Parece fácil, mas não é. Tem os seus quês de técnica. Coisa mais simples, o Lidl tem carne muito boa, daquela carne dos Açores, que é maravilhosa, para as pessoas que comem. É aquecer uma frigideira de ferro fundido, quem tiver, grelhar um bife e cozer batatas. Não tem nada que saber. Uma caldeirada de peixe com batatas não tem nada que saber e pode ser tão bom e tão simples É cozer batatas, comprar peixe, até pode ser pescada congelada, pôr na panela cebola e uma ou duas folhas de louro. Encher com água e sal, molho de tomate opcional para quem gosta, e deixar a cozer até estar pronto. E está feito, com pão. 


Há imensas coisas que são fáceis de fazer, que são básicos e que as pessoas podem começar por fazer. Eu noto que durante muito tempo era eu que fazia as refeições, aliás eu falei disso publicamente no podcast, falei sobre a questão de, em Janeiro, de ter pedido para eu não cozinhar refeição nenhuma, porque estava cansada. Quando nós estamos nesse limite, em que estamos tão cansados que já não temos vontade de cozinhar que é uma coisa que gostamos tanto de fazer. Quando começamos a deixar de ter gosto em fazer as coisas que gostamos de fazer normalmente é porque alguma coisa precisa de mudar. E para mim, sentar-me à mesa e não ter que pensar naquela comida, não ter que fazer isso deu-me a bolha de oxigénio que eu precisava. Quando nós estamos neste estado, nem que sejam batatas cozidas com peixe cozido, o facto de aparecer feito e nós não termos que fazer isso, já é incrível! Para quem quer participar ou começar a participar devagarinho, ainda que seja com comida super simples, super básica, para quem recebe, é incrível! É preciso termos alguma generosidade ao elogiar a comida que é feita para nós, eu não sou crítica de comida por estar a dizer que tu fizeste mal ou que fizeste bem ou que aquilo está mal. É sentar e dizer obrigada por teres feito, mesmo que os bifes ou o arroz tenham queimado um bocadinho.  Obrigada por teres feito e amanhã experimentar outra vez.

Isto só com prática. É como tudo! Qualquer atleta treina todos os dias para ser o melhor. 


Exactamente. E nem é o melhor, amanhã é outro dia e uma nova oportunidade para experimentar. Como é que tu achas que cada um de nós pode começar a reescrever a história colectiva de que as tarefas domésticas só pertencem às mulheres?

Começa pelos nossos filhos, para quem tem filhos. Dar o exemplo. Se nós estamos à espera que as outras pessoas façam, ah alguém vai começar a fazer isto e depois eu mudo. Não! Temos que mudar nós um pouquinho. E ao mudarmos nós um pouquinho, mostramos aos nossos amigos, família e filhos e conhecidos da comunidade que isto pode acontecer e que não tem que ser um esforço tremendo que não tem que ser uma mudança drástica. 



Se o extremo que está agora não está bem, passar para o outro também não. Tem que existir um meio-termo.

Mostrar isto à comunidade é com os nossos actos, nós temos o papel principal, se há papéis nisso tudo, mas nós temos que mostrar aos nossos filhos que não há lugares marcados em casa. Não há obrigações de fazer as coisas em casa para cada um. Temos todos que participar para a nossa comunidade nuclear. Em casa, a nossa comunidade trabalha em prol da felicidade comum e do bem-estar e da própria disponibilidade mental de cada um. Nós, enquanto pais, progenitores, temos que mostrar aos nossos filhos e filhas que as coisas não são só feitas pela mãe ou só pelo pai. Temos todos que participar. Se eles virem que nós fazemos, eles não vão assumir à partida que o pai está sentado no sofá e que a mãe está sempre a cozinhar. Ou que o pai está sempre a cozinhar e a mãe está sempre a trabalhar, por exemplo. Que esses papéis não têm que ser assim e se eles tiverem esses exemplos vindos dos pais que são os elementos mais fortes na vida deles, estamos a assumir aqui uma família relativamente tradicional, que não é justo a mulher ter que fazer tudo e homem não. Isso não é justo porque depois fica tudo em cima de uma só pessoa. Para tentarmos mudar a mentalidade comunitária, eu acho que temos que dar exemplos às nossas crianças.



Recentemente lia sobre sobre isso, sobre o facto da maneira como nós nos comportamos enquanto pais e mães lhes ensina, às nossas crianças, o que é que é ser pai e mãe. Se os nossos filhos vêem constantemente a mãe a passar por cima das suas necessidades básicas como tomar banho, comer, o que quer que seja, e vê a mãe num caco, pensa isto é que é ser mãe. Esta questão dos nossos actos mostrarem aquilo que são os nossos papéis, quanto mais não seja o facto de nós mudarmos isto, não é preciso dizer às crianças a mãe é que faz isto e o pai é que faz aquilo. As crianças vêem porque vivem em casa todos os dias e elas vêem quem é que faz as coisas. É muito mais feliz ter pais que estão equilibrados, em que as coisas em casa estão feitas e que existe harmonia familiar, do que teres alguém que parece que está a fazer surf ou deve estar na boa e depois tens alguém que está totalmente destruído. Em questão de justiça familiar não faz sentido nenhum, e também não faz sentido nós estarmos a mostrar isso às crianças e a perpetuar este mal-estar feminino em prol do bem-estar masculino.

Malta masculina que não faz nada em casa, façam! Mexam-se! Não é ajudar que isto não é ajudar. É participar, é partilhar, é fazer. No meio disto tudo, se há coisas por fazer, façam!


A vivência das relações é algo muito particular mas não é invulgar ouvirmos suspiros de mulheres a desejar mudança em casa. Mais cooperação, menos exigência, mais tranquilidade. Se conheces alguém que iria gostar de ouvir esta conversa, algum amigo que quer participar mais nas tarefas de casa e não sabe como começar, partilha com ele. Espero que ao partilharmos esta conversa sobre as nossas dinâmicas, estejamos a abrir caminho para conversas saudáveis e para vivências familiares mais felizes.

Um abraço e até breve,

Marina.