Inspiração na cozinha

Episódio #11
Inspiração na cozinha

Neste episódio partilho convosco as minhas fontes principais de inspiração na cozinha e convido-vos a partilharem comigo as vossas. Falo sobre o facto de gostar de comer bem me ter catapultado para aprender mais sobre boa comida, sobre como a vontade de replicar um prato que comemos num restaurante, cozinhar uma receita ou uma rusga ao frigorífico se podem tornar no incentivo que precisamos para aprender a cozinhar melhor.

Porque as melhores conversas acontecem à mesa, vamos sentar-nos a conversar? Estão convidados e se quiserem tragam um amigo também.

Show notes

A alegria de encontrar tesouros em feiras de velharias.

A alegria de encontrar tesouros em feiras de velharias.


Hoje quero partilhar convosco as minhas inspirações. Talvez já saibam que eu nos últimos 10 anos tenho sido fotógrafa, mais especificamente fotógrafa de casamentos e a questão da inspiração está muito ligada à arte e aos trabalhos criativos. E muitas vezes essa foi uma questão para nós. Como é que nos mantemos criativos? Como é que nos inspiramos para fazermos o nosso melhor trabalho? Como cuidar dos nossos clientes? Estas questões pareciam nunca ter solução… a inspiração é muito volátil e um ponto sensível que parece nunca ter uma resposta. 

Na cozinha, em particular, ao contrário da fotografia, tudo o que nos rodeia serve de inspiração. No caso da fotografia, sentia que eram mais os filmes que via, os livros que lia, a música que ouvia, até os livros de cozinha. Penso que aquilo que funciona como fonte de inspiração para umas pessoas, não funciona para todas. Mas sem dúvida que estes eram os meus grandes influenciadores no meu trabalho de fotógrafa.

Na cozinha é um bocadinho diferente e é isso que quero partilhar convosco.

Gostar de comer bem.

Comecei a cozinhar mais e a tentar aperfeiçoar as técnicas, porque eu gosto de comer comida boa, bem-feita. Comer comida mal feita entristece-me. Este meu gosto por comida boa obrigou-me a aprender a cozinhar melhor para agradar ao meu próprio paladar. Em pouco tempo acabou por se tornar uma obsessão. Há sempre alguma coisa que se pode melhorar: aquela pequena nuance que estava a faltar e que faz toda diferença, um equilibro de sabores, o tempero correcto. 

Na minha opinião, muitas das vezes é isso que torna as coisas simples da vida boas: o termos uma paixão que quando estamos de volta dela não olhamos para as horas, não damos pelo passar do tempo, não pensamos se vai demorar muito ou pouco tempo. Quando eu estou na cozinha é assim, é quase como se estivesse a cuidar de mim. Muitas vezes é quase uma forma de meditação, quando estou a fazer coisas que não preciso de pensar muito (por exemplo uma receita que já conheço bem e que sei que faço quase em piloto automático).

 Por isso, a minha grande inspiração é comer comida boa e cozinhar para tentar chegar a esses sabores que, para mim, são os sabores que estão correctos ou que me sabem bem. 

Se vocês me conhecem bem, sabem que não gosto de ir a restaurantes por qualquer motivo. Quando vou, gosto de ir para saborear, gosto que seja uma experiência, de ir com tempo para absorver a experiência da melhor maneira. Tento pedir comida que me vá surpreender, que nunca provei ou que é novidade na carta. 

Acontece muitas vezes que, quando chego a casa, se gostei daquilo que comi, o meu cérebro continua a trabalhar nisso, a tentar identificar todos os sabores e a perceber como é que posso replicar essa receita de maneira a que me saiba bem. Claro que a Internet é uma grande ajuda. Se eu souber o nome da receita, é um bom começo. Isto faz-me lembrar o início da carreira da Nigella Lawson. Formada em Literatura Inglesa, começou no mundo da cozinha como jornalista e um dia fizeram-lhe a proposta de fazer crítica de comida dos restaurantes. Ela achava que não era muito justo julgar a comida pela experiência no dia. Então ela ia, comia e anotava tudo o que comia. Depois tentava replicar em casa. Sem formação em cozinha - ela auto intitula-se de home cook - e insiste em corrigir as pessoas que a chamam de chef. Se ela conseguisse fazer a comida igual ou melhor do que a que lhe serviram no restaurante, não dava uma avaliação muito favorável. Se, por outro lado, tentasse fazer várias vezes o mesmo prato, mas não conseguisse chegar aos sabores que tinha experimentado no restaurante, então dava o braço a torcer e dava uma boa classificação. 

Esta forma diferente de olhar para a comida foi bastante transformadora. Gostei da forma como ela se tentou colocar na pele de quem está a cozinhar e tentar perceber as dificuldades de alguns pratos, em vez de se tornar numa crítica snob. Agrada-me o lado empático desta abordagem. Para além de achar este processo muito delicioso, acho-o honesto.

Então muitas vezes, uma das minhas inspirações é:

Replicar um prato de restaurante.

Mas podemos tentar replicar outras coisas. Podemos percorrer o álbum de receitas da nossa família, um legado simbólico incrível, e tentarmos fazer os bolinhos que a nossa avó fazia, ou a sopa da bisavó, ou o assado da mãe. São receitas que, para além de serem altamente reconfortantes, são legado familiar e, muitas vezes, legado nacional. Só por si, são uma inspiração. É um motivo muito válido ir para a cozinha e tentar experimentar. 

Eu acho que, quando estamos a experimentar uma receita, estamos em modo criativo. Mesmo que estejamos a seguir uma receita, há sempre dúvidas, há sempre uma tomada de decisão que temos que fazer. É um processo tão giro, especialmente se lhe tirarmos o peso do “e se correr mal?”. Eu era esse tipo de pessoa. Se alguma coisa me corresse mal na cozinha, eu ficava tão frustrada, tão zangada, que depois já não me apetecia fazer mais e zangava-me com a cozinha por uns dias. Mas se encararmos as coisas que estamos a usar e que estragamos, como sendo custos da aprendizagem (muitas vezes são cêntimos) ficamos mais tranquilos. Quanto mais sabemos, quanto mais vamos treinando, melhores vamos ficando e vamos ficando mais confiantes. Fiquei tantas vezes frustrada e triste com as coisas que corriam mal, mas agora encaro isto como o processo de aprendizagem. Se corre bem, óptimo, ficamos com coisas boas para comer. Se queimar, olha, acontece. 

Há muitos anos que faço biscoitos, mas no outro dia experimentei uma receita nova com farinha de grão. A massa cheirava super bem enquanto estava a ser amassada. Queimaram no forno por um minuto. Passaram de douradinhos para queimados num minuto. Olhei para eles e pensei “é pena”, mas era a primeira vez que os estava a fazer. Acho que nunca me senti tão desprendida e tão equilibrada. Nem tudo tem que ser de alta pressão na vida. As falhas na cozinha, fazem parte do crescimento. Um bolo que não cresce, pode ser transformado em migalhas e envolvido em natas batidas com açúcar e fica maravilhoso. Ou podemos fazer uns cake-pops. Ou tantas outras coisas. Há muitas receitas que começam com coisas que não correram bem.

Fazer receitas que vimos em livros ou revistas. 

Para alguns, os mais corajosos, pode ser ler a receita e tentar adaptar aos ingredientes que tem. Para outros ler e guardar a receita na memória até à altura em que temos todos os ingredientes necessários. 

Há muitas pessoas que ficam surpreendidas quando eu digo que os meus livros de cabeceira são livros de receitas. Primeiro porque a maior parte dos livros que compro são de pessoas que gostam de escrever. Recentemente, comprei e li os livros de uma autora ucraniana que se chama Olia Hercules. Tenho três, o Mamushka, o Kaukasis e Summer Kitchens e todos eles contam histórias da infância dela, do tempo em que ela cozinhava com a mãe. São odes às mulheres da vida dela. São livros que, para além de receitas, têm historias. Eu acho deliciosos poder ler esses livros, ler essas histórias e quase que viajar com quem escreve, como se lhes déssemos a mão e viajássemos com eles. Não é à toa que eu mantenho esses livros como livros de cabeceira. Em cada receita há uma narrativa, uma história a ser contada. Ler estes livros, faz com que as referências fiquem gravadas na nossa cabeça: determinados métodos e conjugações de sabores que ficam lá. Quando o meu marido me pergunta ao jantar “como é que te lembraste de juntar isto?”, a resposta mais provável é que tenha lido nalgum livro de receitas. Não consigo ligar aquilo à receita onde terei lido, mas ficam cá dentro. 

Quando estamos a ler estes livros ou quando estamos expostos a determinado estímulo, fica sempre alguma coisa no nosso vocabulário culinário, pronto a usar quando necessário. 

Tenho tendência a seguir à letra as receitas de pão, de doces, porque são estudadas para funcionarem naquelas proporções e alterar isso pode alterar a estrutura ou o sabor do produto final. As farinhas têm pontos de absorção específicas, então os bolos e os pães funcionam melhor seguindo a receita. À medida que vamos tendo experiência, podemos arriscar e fazer alterações. No caso dos salgados, já tenho tendência para ser mais flexível para ser mais a meu gosto. Num estufado se vocês põem duas ou três cenouras, se pomos uma cebola média ou uma cebola grande, não faz grande diferença. Há determinados autores que eu sei que posso seguir a receita à risca porque foi testada várias vezes e funciona. É o caso da Nigella Lawson, da Olia Hercules, do Jamie Oliver.


Cozinhar com o que temos disponível em casa.

A minha grande, grande inspiração para cozinhar, se calhar parece um bocado vago para a maior parte das pessoas, mas para mim faz sentido, é cozinhar com o que temos disponível em casa. A maior parte das refeições mais saciantes e saborosas que fiz, resultaram de uma rusga ao frigorífico para ver o que é que havia para comer. Há tantos pratos que surgem porque estamos a experimentar uma coisa nova. Ou então surgem porque queremos experimentar uma receita, não temos um determinado ingrediente e adaptamos para aquilo que temos disponível e o resultado é ainda melhor. 

Para mim, cozinhar com o que está disponível significa cozinhar com os vegetais e frutas da época. Aquilo que nos vai parar ao prato é muito influenciado pelo que está na época, pelas promoções, por aquilo que precisamos de comer no nosso dia-a-dia. 

Planear e cozinhar é uma dança tão delicada e subtil que fazemos no dia-a-dia que quase nem nos apercebemos, mas no final são os momentos em que temos oportunidade de criar com a nossa família, que nos dão mais prazer. É tão bom, tão agradável, poder ter esta flexibilidade em vez de comprar sempre a mesmas coisas, todos os dias, todas as semanas, todos os meses do ano. Para além de que se torna aborrecido. Sim, vai haver alturas em que no nosso prato vai aparecer mais abóbora, cenoura e couve, se for inverno. Ou alface, melancia, frutas variadas, se for verão. Por isso, esta coisa antiga de comer conforme a época do ano, respeitando os ciclos da natureza, para além de deliciosa e variada, significa também que gastamos menos dinheiro e que a nossa alimentação tem menos peso ambiental. 

Bem, por hoje, deixo-vos com esta reflexão. Não se esqueçam que as vossas opiniões são sempre muito bem recebidas deste lado. Contem-me quais são as vossas inspirações. Gostava que me dissessem qual é vossa perspectiva desta questão da inspiração, na área em que trabalham ou no dia-a-dia. Já agora, a fome também é uma inspiração muito válida. Muitas das coisas que faço surgem da vontade de comer. Eu acho que quando temos fome, os nossos sentidos ficam mais apurados. Se esta for a vossa motivação, digam-me que eu vou gostar muito de saber que não estou sozinha. 

Espero que gostem e qualquer dúvida que tenham podem sempre contactar-me pelo instagram ou por e-mail. Um abraço e até já.

Vemo-nos em breve.

Um abraço e até já.