Hoje não quero flores. Uma reflexão no Dia da Mulher.

Marina Cunha a cozinhar

Hoje é um dia para ter conversas honestas baseadas na compreensão e empatia. Há quinze anos atrás diria que o dia da mulher era um dia para receber flores, uma espécie de celebração entre muitas outras. Tendo crescido enterrada no patriarcado até aos joelhos não entendia verdadeiramente a importância do dia da Mulher.

Com o passar do tempo, graças a muito questionamento e ao trabalho incrível de mulheres que vieram antes de mim lutar pela equidade social, económica e política, actualmente vejo o dia de hoje com muito mais clareza.

Enquanto desaprendo a visão do mundo com que cresci, não consigo deixar de estar profundamente grata pelo privilégio de poder ter conversas honestas com as pessoas que me rodeiam sobre estes assuntos. De ver o meu Pedro a tornar-se um feminista fervoroso e a fazer esta jornada comigo, com todas nós.

O condicionamento e julgamento a que estamos sujeitas dói, a maior parte das vezes em silêncio. Muitas vezes por outras mulheres cujo machismo está tão enraizado que vivem e julgam as restantes mulheres à semelhança do que sentem que são julgadas.

A roupa que usamos, o tamanho do nosso corpo, os nossos planos de constituição de família, a nossa segurança, as nossas ambições profissionais, a nossa contribuição para as tarefas domésticas, tudo passa pelo crivo do julgamento, alimentado pelo machismo, a misoginia e o sexismo.

Somos medidas por balizas impossíveis, sendo classificadas como demasiado e insuficientes ao mesmo tempo. Se a saia é curta, é um convite. Se a saia é comprida, somos pudicas. Se pomos maquilhagem mais arrojada, a nossa integridade é questionada. Se não pomos maquilhagem, podíamos tentar pelo menos um bocadinho para não parecer que desistimos. É difícil existir no corpo de mulher. E falo disto numa posição de privilégio enquanto mulher fisicamente capaz, cisgénero, branca.

Aprender a viver de acordo com a nossa bússola interna e largar estes preconceitos é difícil e dá muito trabalho. Requer uma tomada de consciência forte para evitar perpetuar falsas verdades. Requer cuidar das nossas acções e linguagem junto das nossas crianças, de acreditarmos que somos verdadeiramente capazes e merecedoras da equidade. Requer criar espaço para nos educarmos sobre os nossos direitos, conversar com quem está connosco para nos dar a mão nesta jornada.

Demorei muito tempo a considerar-me feminista. Na verdade demorei muito tempo a reconhecer que precisava educar-me sobre o que é ser feminista e compreender porque é que o mundo precisa de mais feministas.

Continuo a aprender, a estudar e a iniciar conversas desconfortáveis fora e dentro do Marinar.
Dentro dos serviços do Marinar encontro frequentemente questões de equidade doméstica. Sempre que se fala na distribuição de tarefas domésticas, cuidados aos filhos, sobre quem cozinha e quem gere o orçamento familiar. São assuntos que causam muitas vezes fricção pela visão individual dos envolvidos. Crenças enraizadas sobre o que é "a obrigação" de cada um, jogos de pressão baseados apenas no género. A solução passa por criar espaço para o diálogo, onde ambas as partes podem conversar abertamente sobre as pressões que sentem e encontrar novas soluções que respeitem a individualidade, necessidades e desejos de cada um, de forma equitativa.

Tenho um sonho antigo de poder fazer o Marinar crescer para se tornar um local de trabalho onde mulheres possam ter uma profissão que gostem e integrada com a vida familiar. Para que não tenham que trabalhar como se não tivessem filhos e educar os filhos como se não tivessem que trabalhar. De criar uma comunidade de mulheres e homens que estejam comprometidos a gerar impacto positivo nas suas famílias e ao fazerem-no, na sociedade.

Enquanto me permito ir crescendo e aprendendo sobre o que é existir e comportar-me alinhada com os valores do feminismo, quero poder dar a mão a quem se quiser juntar a mim nesta jornada para abrir espaço para conversas importantes.

Ainda há muito para fazer mas acredito no poder individual de cada um de nós para gerar mudança na nossa vida e ao fazer-mo-lo, sermos motores de mudança no nosso grupo e em última análise na nossa sociedade. Na tua opinião, de que forma podemos começar por promover a equidade dentro das nossas casas?